quarta-feira, 11 de abril de 2012

Rio de Janeiro II

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 Rio de Janeiro II mereceu um agrupamento à parte: belos e viscerais como nunca, os versos de Raul Macedo.  Obrigada, Raul!


Rios de Hoje
Cidade, símbolo esvaindo
em algum morto na guerra do Iraque.

Sua beleza é artifício, e os corpos
estão distantes, espumados nas baías.


Os satélites apontam seus trajetos,
e os poetas, na orla, estatuados.

Cravo em suas pedras de signos,
este poema a nenhum fone de ouvido.


Noturno da Lapa
                                a Sifredo Macedo

Deixem-me só pelos Arcos
da Lapa, onde bonde não passa
pelos seus ombros, pelo silêncio
erguido ao som passageiro,

de um samba ardendo na Lapa,

na noite ambulante, na sede
vendida à boca rasteira,
de um gole que assalta a cidade.

E se vozes começam a sair

dos casarões, botecos, bordéis,
bêbados, sóbrios, perduram

na sombra dessa outra cidade,

em que o bonde atravessa os escombros
da Lapa, onde o tempo não passa.



Avenida Orfeu

Era uma boca impossível;
uma boca desdentada,
boca suja escancarada
para os dentes da cidade.

Ela cantava aos autos,
às vitrines consumadas,
aos letreiros escarrando
seus gorjeios de néon.

E os prédios, furibundos,
cerravam suas janelas,
como um acorde, à espera
do silêncio, como um tiro.

Era uma boca impossível,
cantando na madrugada.




Favelas


Pipa vento laje
na terra vermelha,
risca paralela
pingando no mar.

Formas de poeira,

sagração do morro,
arsenal de zinco
na terra arrastada.

Paira uma aura

de rastos matizados,
na terra recende,
entoando rios

- riscos risos ritos -

ribeira que avança.





Subúrbios

Labirintos forjados na cinza,
no suor das casas, nas vendas,
nos terrenos baldios, botecos,
nas igrejas, becos, ruelas.
Há uma confluência de aço
nestes corpos seminus
leves leves leves
nas pedras, torneando os muros.


A Kombi, em velocidade,

contorna uma linha de trem,
e o motorista rasga

a calçada, ribombando
o silêncio... e o calor

ferve ferve ferve


Praia
                 "La chair est triste, hélas! et j ' ai lu tous le livres"

Na praia
eu vejo corpos

flancos gritos
cachorros
 
vejo o mar também em surdina
- contraponto dos afogados -

e bundas passando melódicas
as aves episódicas

e aviões também cortam nuvens
as nuvens... e as bundas

(este poema é de 2009
levava ainda cadernos à praia

hoje só levo minha carne
quando levo alguma coisa)

e o vento...
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Um comentário:

  1. Belos poemas do Raul. Acompanho o blog dele com prazer. Bom reler todos que compõem esta série. Funcionam muito bem; realização de paisagens multifacetadas, como rios realmente, a cumprir trajetos, para além de um nome, correndo por tantas margens. Um grande desenho, painel que se impõe pela delicadeza, no diálogo com o tempo, e suas (im)possibilidades, algo que avança, ribeira, vindo com o vento, na Kombi em velocidade, baías e subúrbios.

    Prazer também conhecer um pouco o blog. Li há algum tempo os Ciorânicos e me encantei. Depois passo com mais calma.

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