quarta-feira, 25 de setembro de 2013



Em março deste ano perdi meu então mais frequente, precioso e querido interlocutor em questões primordialmente filosófico-poéticas, mas também musicais – além de abobrinhas salutares, algumas nem tanto, mas que, no conjunto, configuravam tudo aquilo que era uma espécie de procura, investigação. Trocas de figurinhas que faziam valer em dobro meus minutos diários.

A morte de Raul Macedo, amigo e familiar, poeta de valor incalculável para mim, jovem pensador que surpreendia por sua incrível e quase inexplicável maturidade intelectual e espiritual, me tirou o tapete, me desnorteou, paralisou, esvaziou...

Depois de muitos meses rarefeita e dispersa por estas bandas, experimentando outras novas, gigantes e sutis emoções nesse intricado motor fazedor de estranhamentos e convulsões de entranhas que é a vida, estou de volta, não sei se pro meu aconchego, mas para a vadiagem regular tecida na forma de minha preferência: a caótica.


Que eu seja bem-vinda!






An eye for an eye only leads to more blindness.
(Margaret Atwood) 







Zelosa       (Margaret Atwood) 

Como foi que me tornei tão zelosa? Fui sempre assim?
Saindo por aí quando criança com uma vassourinha e uma pá,
varrendo a sujeira que eu não tinha feito,
ou lá fora no jardim com um ancinho mirrado,
tirando o mato do jardim dos outros
– a sujeira era soprada de volta, o mato crescia, apesar dos meus esforços –
e com uma carranca de desaprovação o tempo todo
ante a irresponsabilidade dos outros, e a minha própria escravidão.
Eu não executava essas tarefas de bom grado.
Queria estar no rio, ou dançando,
mas algo me segurava pela nuca.
Essa também sou eu, anos mais tarde, um caco, de olhos roxos,
porque o que tinha de ser terminado não fora, e fiquei acordada até tarde,
rabugenta como uma cobra, tomando café demais,
e ainda mais adiante, aqueles grupos compostos de murmúrios
E repreensões, e a exortação padrão:
Alguém devia fazer alguma coisa!
Era a minha mão se levantando rapidamente.

Mas eu me demiti. Descartei o aperto do meu eco.
Decidi usar óculos escuros, e um colar
adornado com a palavra dourada NÃO,
e comer flores que não cultivei.

Por que me sinto, contudo, tão responsável
pelo choro que vem das casas em ruínas,
por defeitos de nascença e guerras injustas,
e a tristeza macia e insuportável
que ecoa das estrelas distantes?