segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Árvore da Vida

Fiquei impressionada com o filme Árvore da Vida, de Terrence Malick, agradecida aos céus, como diziam na infância de minha memória tão mineira, pela existência da obra e pela chance de vê-la, extasiada com as cenas e imagens que, continuamente, nutriam minha mente com o que julgo o verdadeiro alimento que merecemos na face desta terrinha cheia de pobrezas de todo tipo.

Há de um tudo ali! A começar pela trilha sonora forte, elegante, funcional, belíssima, com obras conhecidas de autores eruditos, como Brahms e Mahler, e a criação sempre linda e competente de Alexandre Desplat (o mesmo que fez a trilha para O Discurso do Rei).

Dialogando com Deus, evocando Jó, questionando conceitos, crenças, ensinamentos, de forma investigativa e inteligente, sin perder la ternura, com espaço para um passeio desde a criação do universo, dos primeiros seres multicelulares na Terra, com uma olhada na vida não muito fácil de espécies como a dos dinossauros , até dias bem mais recentes vividos por uma família de classe média americana lá pelos idos de 1950, o filme nos instiga a todo momento àquele mergulho reflexivo em que tanto nos perdemos como nos encontramos em boa parte de nossa existência. 

 Se me fosse dado escolher o que enviar na nave que cruzou os céus em busca de comunicação com extraterrestres, eu escolheria sem dúvida este Árvore da Vida, e não aquela Coisinha do Pai tão ridícula, medíocre e desprestigiosa, que, se nos serviu de carta de apresentação aos seres desconhecidos do cosmos, deve ter servido também como excelente justificativa para que se mantivessem à distância.

O cineasta Karim Aïnouz, comentando sobre a obra de Terrence Malick num artigo de jornal, insistiu no termo "depuração". Perfeito. A precisão com que Malick cuida e alinhava sua obra é impressionante. Sentimo-nos envoltos, do início ao fim, numa aura de mistério e encantamento, de enlevo, de sensação quase incômoda, mas dentro de nossas necessidades absolutas, de encontro e diálogo produtivos com aquele nosso velho eu, vez por outra tão estéril e fútil.

A modernidade do filme é incontestável. Mas uma modernidade com o pé na história do homem e suas questões fundamentais, uma modernidade madura, culta, experiente, carregada de referências e escolhas que fUncionam com "u". Um luxo.

Cito Cacá Diegues listando algumas das características modernosas do filme: "estrutura não linear, narração fragmentária, steadycam em permanente movimento, jump cuts para todo gosto, diálogos em suspensão e ditos em voz baixa, fotografia monocromática etc.". Simples detalhes, para um filme atemporal, magnífico.

E fecho com as palavras de Karim Aïnouz:

"Na sucinta obra de Malick tudo é preciso e tudo é misterioso. Penso no meu dia e paro de desejar que ele tenha 48 horas. Fico querendo cancelar tudo que tenho que fazer hoje e passar o dia revendo seus filmes , achando que o mundo poderia se transformar nas inesquecíveis aventuras de Terrence Malick – e nada mais".

Ah, e como são lindos Brad Pitt e Sean Penn!




quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Frases desaforísticas

"Há uma riqueza do não terminado, do não definitivo. Definir é dizer a última palavra sobre um assunto, e acho que isso é muito perigoso".  (Gonçalo M. Tavares)


"O que não me agradaria era uma ficção que tivesse uma única utilidade, como uma cafeteira".  (Gonçalo M. Tavares)


"Todos os caminhos levam à morte. Perca-se".  (Jorge Luiz Borges)


"O insuportável na vida é que todo mundo tem razão".  (de um personagem em "A Regra do Jogo", filme de Jean Renoir)


"Não sou sequestrável, mas dá para pagar um bom dentista". (Ney Latorraca)


"Senti-me só; menos quando meus amores se foram que quando minhas qualidades se ampliaram". (V.V.)


"Wim Wenders e aprendenders!".  (essa eu não sei de quem é)


"Antes ser condenado a beber cicuta que a beber sukita".  (variante de frase de Bruno Maron)

"Só começamos a estar vivos quando deixa de ser fácil".  (Gonçalo M. Tavares)

"Esquecer é uma coisa que se faz". (Gonçalo M. Tavares)

"Fotografar é emitir uma opinião".  (V.V.)

"É bem verdade que nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe".  (J. Saramago)

"Conhecer a beleza de uma coisa significa conhecê-la necessariamente de modo errado".  (Nietzsche)

"Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante?".  (Mário Quintana)

"Nenhum som teme o silêncio que o extingue".  (John Cage)

"Universal é o particular de alguém imposto a todo mundo".  (Tinhorão)

"Deus é uma criação monstruosa. Eu tenho medo de Deus porque ele é total demais para o meu tamanho".  (Clarice Lispector)

"A gente sabe mais, de um homem, é o que ele esconde".  (Guimarães Rosa)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Íntimo Degredo


Íntimo Degredo   (Vera Versiani)

esse meu jeito torto de olhar
vem do costume que não larga
de me defender, de desconfiar

sou curta e grossa no dizer
mas nunca desaprendi de todo
do jeito macio de gentil querer

em quantas emboscadas me meti?
em que guerras, em que pântanos?
em que breu fiz brotar o lume?
em que peito fiz cravar a dor?

antigos sinos ainda soam lentos
neste piscar de olhos costumeiro
e aquecem sedas pérolas, fazem assento
no ouro verde deste meu terreno

tantos tiros escutei noites adentro
tanto tive que inventar para aliviar a fome
quanto choro disfarçado suportei
só para criar com orgulho o meu nome

minha idade já provou sombras de cajueiros
incontáveis histórias de mãe-preta, escuros medos
minha honra já pede o cultivar de rosas
dos jardins suaves do mais íntimo degredo