terça-feira, 12 de março de 2013




Sobre o filme Argo. Argh!!
                                 (Jorge de Souza Santos)


Durante o governo do presidente Carter, dos EUA, no episódio da invasão da 
embaixada americana no Irã, nos anos 1979/1980, logo após a deposição do Xá Rezha 
Pahlevi na revolução que levou o Aiatolá Khomeini ao poder, seis americanos 
refugiaram-se na embaixada canadense, sem o conhecimento dos iranianos que 
mantiveram cerca de 60 reféns na embaixada americana invadida.
A Central de Inteligência Americana – CIA elaborou e realizou um plano de resgate dos 
seis americanos simulando uma produção canadense de um filme de ficção científica 
que seria chamado Argo e rodado no Irã, um campo de pouso de naves extraterrestres 
do filme.
Para tal, a CIA montou uma produtora, elaborou roteiro, script etc. Simulou uma visita
de locação das cenas para filmagens, obteve autorização dos iranianos e um dos seus 
agentes fazendo-se de membro da equipe de produção, foi ao Irã levando falsos 
documentos para viabilizar a fuga dos abrigados na embaixada canadense como se 
estes fossem os demais membros da equipe de filmagem.
A fuga foi um sucesso. Os canadenses assumiram a responsabilidade pelo ato e 
omitiram o papel da CIA para não prejudicar a vida dos reféns mantidos na embaixada 
americana e que permaneceram lá por mais de um ano. Anos mais tarde, a história 
real veio a público revelando o papel da CIA, dos resgatados etc. 
Este é o roteiro do filme – Argo - ganhador do prêmio Oscar 2013. Um grupo 
aprisionado em algum lugar hostil aos EUA, em circunstâncias que tornam quase 
impossível a sua libertação, é resgatado por um mocinho ou uma equipe de heróis a 
partir de uma ação corajosa e um plano ousado de fuga. Quantas vezes já se produziu
um filme assim? Para mim é um filmeco, com um roteiro batido e rebatido. Não 
comento os demais aspectos que caracterizam as obras de cinema porque estes eu 
não saberia julgar. Não entendo da arte, nem valorizo. Os filmes me ganham pelo 
roteiro e, declaro, não sou muito exigente. Gosto de filmes de aventuras, sem 
pretensões, e Argo é filminho tipo Rambo, sem a tradicional violência explícita do 
personagem baixinho e machão de uma série que já deve estar no Rambo XXXVII.
Mas, essa preliminar é apenas para abordar ou manifestar o meu assombro com o que 
chamo de “cinema americano” sem maior rigor na definição. Refiro-me ao produto 
divulgado internacionalmente, produzido em estúdios possivelmente hollywoodianos 
e que mantém a indústria multimilionária do cinema.
O meu espanto e, até, admiração é a capacidade do cinema americano produzir 
aventuras, proezas e heróis também americanos, a partir de situações onde a participação Estados Unidos foi em realidade a mais escabrosa e indecente. É muita 
cara de pau!
Não estou falando de um falseamento da realidade ou mistificação de fatos. Não 
tenho a expectativa que uma obra comercial americana se transforme em um 
instrumento de resgate histórico ou um documentário que contradiga ou conteste as 
referências políticas daquela sociedade, embora isso possa ocorrer em circunstâncias 
especiais. Também não me surpreendo com a existência de filmes que enalteçam a 
CIA, outros aparelhos ou instituições que caracterizem a sociedade americana. Refiro-me a um processo ou mecanismo que se transformou em uma habilidade, quase uma 
excelência. A capacitação do cinema americano em apresentar roteiros com um 
descaramento e desconsideração crítica que parece ultrapassar a ideologia e que nem 
mesmo se preocupa em ocultar os fatos. 
O próprio filme relata, embora este não seja o foco, o papel dos EUA nos 
acontecimento do Irã, no golpe que levou o Xá ao poder, e na sustentação e apoio à 
sua ditadura torturadora e corrupta. O filme não omite o empenho americano em 
salvar a pele do Xá quando este foi derrubado. Fala sobre a fortuna em ouro levada 
pelo Xá quando este fugiu do Irã. O filme fala sobre a população com história de 
familiares perseguidos, torturados e mortos pelo aparelho de estado iraniano apoiado 
pelos americanos. Fala sobre o motivo da revolta, invasão da embaixada e sobre 
captura de reféns americanos com o propósito de forçar os EUA a extraditarem o Xá 
para ser julgado. Enfim, tudo isto está lá, no filme. 
Porém, ainda assim, sinto-me parvo, imbecil, ao ver que os caras tem o descaramento 
de contar a história sob uma ótica e com símbolos que invertem completamente os 
papéis. Barbas opulentas, vozes exaltadas, grosseria no trato com as pessoas, sugerem 
um povo iraniano de insanos e radicais fanáticos contrastados com americanos dóceis, 
gentis e, por uma empatia induzida pelo filme, inocentes. 
Os agentes da CIA, por sua vez, são personagens comprometidos em salvar o modo
americano de vida ao mesmo tempo em que “humanamente” tratam os seus 
problemas pessoais e familiares. O filme tem até a tradicional cena de euforia do 
pessoal que participa nos bastidores da missão, dando suporte e na monitoração dos 
acontecimentos. Mostra uma retaguarda tensa e ansiosa com o desfecho que, quando 
ocorre, provoca lágrimas, abraços efusivos, cumprimentos e aqueles olhares cúmplices 
e comprometidos entre os que estão em pontos distantes dentro do mesmo ambiente. 
Caralho! Acho que literalmente todo o mundo já assistiu filmes com estas cenas.
O que chama a minha atenção, que me apalerma, não é o fato de serem peças 
medíocres ou de valorização de uma ação política com da qual discordo. Fico perplexo 
com o cinismo desavergonhado e com o investimento num descaramento cujos 
resultados positivos para os objetivos propostos não se pode negar.Felizmente não precisei aturar o cheiro insuportável de pipoca nem a visão daquelas 
pessoas com caras retardada deslocando-se na sala de cinema e tropeçando ao olhar 
para cima tentando identificar os acompanhantes, carregando os enormes baldes de 
pipoca e copos de coca – cola cujos restos e respingos garantirão a frequência e 
aumento da quantidade das baratas que habitam as salas de projeções (as notícias 
informam que a sobrevivência dos bichinhos já está assegurada pela natureza até 
mesmo no caso de explosões nucleares). 
Assisti ao filme no ambiente higiênico e confortável da minha casa, numa sessão de 
TeleCine, e confesso sem constrangimentos: em vários momentos me vi torcendo 
pelos mocinhos da CIA, contra os bandidos da gangue do Aiatolá. Mas, não sinto culpa. 
Isto já aconteceu em filmes sobre o resgate de reféns na A. Latina, no Vietnã e até mais 
recentes, no Iraque e Afeganistão. No filme não tem problema. Desejo que eles se 
fodam na realidade.
Rio, 05/03/2013