sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Hieróglifo Passarinho

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Belos poemas com belos títulos: regalem-se com Raul Macedo!



Hieróglifo Passarinho


O Silêncio está na roda
da poesia, porque - ai de!-
não há ninguém a falar,
quando todo mundo fala.

O vazio, quem deita nele
com tanto conforto assim?
“Silêncio!” - disse a pomba,
do fundo de um código binário.
 
 
Camafeu

             "But Silence is Infinity.
                  Himself has not a face."
                 (Emily Dickinson)


O tempo é lento; são as horas
como um rio derramado
pela foz alheia do espaço,
de alguma seca convenção.

Tange os contornos da ausência,
quando o silêncio nos desata
sua epiderme, seu semblante
que nos percorre, arde e deixa

um rosto aceso - interminável.
 
 
 
Inquebrável
 
 
O amor é um tiro no espelho,
intangível ao corpo estilhaçado.


Harmônico silêncio de ruínas,
tão puro de beijar e se ferir
de inocência.
 
 
 
Aí Cai
 

Bashô um vazio...
(e esse nosso Ocidente
que não se orienta)
 
 
 
 
 Talvez um poema... 
                                   "Trouxeste a chave?" (Drummond )


Talvez um poema seja isto
uma porta escancarada para tudo
onde o nada nos aguarda sem ser visto


Talvez como uma pétala caída
de uma flor regada à ausência


Talvez como um amor sem violência
e a morte sem ser morte desejada


Talvez seja o que não é palavra
mas é palavra na espera de ser vida


Talvez a desvelada anarquia
de teus olhos segredando rupturas
da linguagem no olhar da fechadura.



Mudo Convite


Há palavras que vestem o seu corpo
tecem fugas:

Sangue.
Carne.
Mundo.

E há palavras que de tão silenciosas
deitam nuas:


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domingo, 5 de fevereiro de 2012

Affonso genial

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Pessoas, vejam que maravilha!
Um pequeno regalo de nosso Affonso Romano de Sant'Anna.





O MOVIMENTO DAS MULTIDÕES


A ciência é um ramo da poesia. Absurdo? Não. A ciência é um ramo da poesia que se baseia na matemática. Estou dizendo isto e vou provar (cientificamente): vejam Arquimedes na banheira, vejam Newton e aquela maçã. Acrescento: certas observações científicas iniciais são tão vagas quanto qualquer idéia inicial de um poema.

Poesia e ciência nascem do caos.

Estou sendo claro?

Continuo.

Os cientistas que criaram a “teoria do caos” começaram contemplando nuvens, como os poetas nefelibadas (que falavam de nuvens) no final sec.19.

Os poetas barrocos contemplavam os jorros d'água saindo continuamente das fontes; já os cientistas da teoria do caos, mais modestos, contemplavam a frequência da queda de uma gota d'água da torneira.

Para onde estou indo, se me proponho a falar das multidões?

Vocês já observaram um bando de gansos, de andorinhas, de patos selvagens em formação de V migrando para alguma parte?

Vocês já repararam nos cardumes de peixes fazendo aquelas formações elípticas, rápidas, lindíssimas?

Multidões de seres se movendo.

Se você ficar olhando muito o céu e o mar, vão lhe chamar de poeta. Mas os cientistas não fazem outra coisa. O Carl Sagan vivia olhando estrelas.

Agora, olhem uma multidão. Eu sempre olhei as multidões. Os historiadores e os poetas sempre olharam as multidões. No entanto, três cientistas sociais nos anos 50 (Riesman, Glazer e Denney) escreveram um livro clássico – “A multidão solitária”. E dizem que é do místico Thomas Merton a frase:”Nenhum homem é uma ilha”. Só o que muitos não sabem é que os físicos também examinam atentamente o movimentos das multidões, como se fossem aves migratórias ou cardumes humanos. Dois físicos – Hessrs Helbing e Peter Molnard – fascinados com os movimentos das multidões tentam criar modelos (“social forces”) no computador para entender para onde elas estão indo.

Para onde estão indo as multidões?

Pasmem! Lembram da indagação de Saint Exupery no “Pequeno Príncipe?" Olhando, do planeta terra, as multidões se deslocando para o trabalho, como manadas indo daqui para ali, ele se indagava: mas para onde está indo toda essa gente?

Marx achava que sabia para onde as multidões estavam indo.

Alguns achavam (cinematograficamente) que a classe operária iria para o “paraíso”.

Leio que cientistas constatam que indianos e alemães caminham diferentemente no meio das multidões e até organizam as multidões diferentemente. Os cientistas querem construir modelos que aproximem os humanos e as partículas elementares. E para isto estudam até o “haj” – aquela formidável peregrinação em Meca, lá na Arábia Saudita. Entender o movimento sacrificial daquela turba é entender parte da partícula chamada ser humano.

Outro dia vi um documentário sobre formigas: como é que elas descobrem seu caminho? Como evitam trombar com as outras? Que cheiro deixam em sua trilha para não se perderem e guiar as outras?

Não era um filme sobre formigas. Era um documentário sobre a construção de robôs. Descobriram que o melhor modelo para um nanorrobô é o modelo do formigueiro: a mobilidade de cada uma na flexibilidade do conjunto.

Da próxima vez em que você ficar frente a frente com alguém na rua, sem saber quem deve ir para a esquerda ou para a direita, quando isto acontecer, saiba, você está vivendo um dilema que interessa aos cientistas.

E à poesia, naturalmente, porque como diria Vinícius, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro”.



(Estado de Minas/Correio Braziliense5.2.2012)
www.affonsoromano.com.br/blog


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