segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Madrugada (V.V.)





Madrugada


Vejo o brilho azul que escapa pela fresta
esparramando-se trêmulo
sobre ranhuras
nos degraus

Um corredor contido pela noite
espreita sossegado esse intervalo
                                        tímido e incerto
que levará ao dia
o que sombras e sussurros buscam
em suas taças já vazias





quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Flashes de Fundo de Tacho

Das Olimpíadas de 2012 ficaram bem fortes em minha memória: a hilariante apresentação de Mr. Bean com a orquestra sinfônica inglesa em Carruagem de Fogo; a pobre rainha saltando de paraquedas com o novo James Bond, deplorável; e a linda imagem da Inglaterra rural sobre o estádio modernoso.

Mas o que me marcou realmente durante aquele período estava bem longe do afluxo de turistas ao frio solo britânico: o pouso perfeito do robô Curiosity em Marte, monitorado pelos cientistas da Nasa!!

Impressionei-me tanto que intitulei "Curiosity" a minha obra no Farofarra 2012. Não fui premiada, mas, em compensação, o assunto me rendeu uma conversa agradabilíssima sobre... o amor e outras abobrinhas.

Moral da história: alhos e bugalhos podem se corresponder plenamente.

E, antes que se decidam pela minha imediata internação, meus queridos dois leitores, despejo aqui o saldo bem espremido do degustado e deglutido: flashes de fundo de tacho.



Não há nada tão enganador, e por isso mesmo tão atraente, quanto uma superfície calma.
(James Joyce)



Matéria Humana  

O homem caminha como uma forma de exorcismo,
exigência demoníaca,
contra a massa de obstáculos.
Energia meditativa
impressa no seu traçado,
ímã dos acontecimentos.
O homem caminha recusando
ser a sua própria paisagem,
oferecendo resistência,
pastoreando o precário.
O homem que caminha 
é um esboço de figura,
crispação do espírito,
prolongamento
da presença.
O homem que caminha 
finca os pés no mundo,
funda uma perspectiva,
cultiva um campo de forças.
Meridiano e mercúrio,
secretamente
inacabado.

(Augusto Massi)




O cantor e o poeta podem ser perigosos.
Eles fazem falar o silêncio, o que foi calado,
reprimido.

(Affonso Romano de Sant'Anna)




Amo. Desordenadamente; amo sem horizonte, amo delírio.
Delinquente.

A mente tamborila vaga.
Vaga enquanto sente.

Emaranhada,
em um nó solto,
fluente.

Mas só
em um mundo
de anseio,
sem rumo,
cheio de nada,
cheio,
é que eu sei
onde é meu sul, onde é o poente.

(Ana Kehl de Moraes)




Papai canta, o rosto de papai cai para debaixo da mesa 
enquanto canta, cai sobre o cavalete, mas, que droga,
nós somos uma família feliz, droga,
a felicidade evapora na panela de nabos, droga,
o vapor nos arranca a cabeça de tempos em tempos,
a felicidade nos arranca a cabeça de tempos em tempos,
mas, que droga, a felicidade devora nossa vida.

(Herta Müller, em "Depressões")




Poesia exige um silêncio abismal.
Ler, escrever ou ouvir poesia é abismar-se.

(Affonso Romano de Sant'Anna)




Da arte fotográfica:
há belezas que só se manifestam quando isoladas;
há certezas que só dignificam quando esquecidas.

(Vera Versiani)