sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Dois poemas e uma historieta


CONTINUUM

por um breve
instante
estive em
tempo de
enlouquecer

mas durou
o pouco
que duram
certos detalhes
farpas
névoas
notas de cantigas
que flutuam
solitárias
e que 
constituem
o pó
de secas
desmemórias

no instante 
seguinte
sinto-me 
íntima
de mais
mais uma 
loucura
outro ermo
outra roda
outro rumo
outra roça...



BIROSCA

não apenas a balança Filizola
nem o rádio de pilha prateado
no balcão de cimento cor-de-rosa
recendendo a álcool e vozes de outros pátios

nem tampouco o mostruário vário
no varejo volúvel e indeciso
de fumo, brincos, drágeas, calendários
entre garrafas e caixotes reunidos

junto a vassouras piaçava
e dorsos de franguinho a quilo
certo olhar também exala
e reclama
um quê de esperança
um sorriso




HISTORIETA 10

 – Chapéu, a rapaziada tá falando que a vovó é a bola da vez. Ela tá entocada.
Apanha uma saca e bota esse rango aí pra reforçá o almoço da coroa; e rapa fora sem arengação senão o bicho vai pegá.

– Calma, mano! Sou puro love, puro love! Ponta firme! Dá cá esse farnel que eu vou
tirar a maior chinfra, na maior responsa!

– Acho bom fazê o levante da pista, que os lobo tão de ratoeira.

– Qualé, mermão, tu tá na noia, é? Tá duvidando da juventude? Tenho cara de mané?

– Que parada é essa? Se intera, cumpade. Não duvido que tu é o cara, mas pra saí da toca tu tem de ir na manha, na maior limpeza, num dá pra encará os hômi como
quem brinca de bandido e mocinho não.

– Tá bom, na boa, quer me ensinar o desenrole? A parada num tá sinistra não. Em todo caso, mete um ferro na saca. Se for preciso, eu sento o dedo neles. Tu fica aqui na contenção. Qualquer música desafinada tu chama os frentes pra reforçá.
Ninguém senta o prego nimim assim fácil não. Antes disso a rapêizi passa o rodo neles.
Ah, meu Pai, obrigado por mais um dia nesta Tua terra maravilhosa!
















domingo, 12 de agosto de 2012

Deu-me livros!


Tem lido muito, a ponto de esquecer ou deixar de lado prioridades
que se acumulam em sua lista de compromissos pessoais?

Tem andado no mundo das nuvens, perdido o ponto de descida no
metrô, dormido pouco, chegado atrasado nos encontros, reuniões e
consultórios?

Tem relegado a segundo plano o convívio familiar corriqueiro e
emocionalmente necessário?

Tem adiado projetos, criações, realizações, em prol de um maior e
fundamentado conteúdo?

Atenção para a dose quiçá excessiva em sua dieta literária!

Acontece, com bastante frequência, de despendermos horas, dias,
meses, em leituras infindáveis, quando há tarefas talvez mais
urgentes e necessárias proliferando como é de praxe à nossa volta.
Perfeitamente compreensível, não?

Leitura é medicamento imprescindível em nossas prateleiras, isso
é fato.

Leitura é atenuante e neutralizador dos efeitos desastrosos das
exigências e ilusões mundanas contemporâneas que nos são
ofertadas por via de regra.

Faz florescer o eu em mim autêntico e delicado, alijado das
tribunas do cotidiano competitivo e desvairado.

Diz José Castello em uma de suas crônicas: “o sujeito que lê deseja
livrar-se de si. É um estranho suicida”.

Há que se morrer mil vezes a cada dia, para se dar conta de que
existe um eu a salvaguardar ou fazer renascer.

É o livro que mata o eu em mim supérfluo e frio, de valores
construídos sobre consensos de conteúdos frágeis que não me
dignificam nem realizam.

Viva o livro, este assassino!!