terça-feira, 3 de abril de 2012

Rio de Janeiro I

Curti recentemente alguns textos poéticos que faziam alusão a algum aspecto ou lembrança da cidade maravilhosa. Inspiraram-me a vontade de agrupá-los para pessoal e futuro deleite:


Carioca  (Delayne Brasil)

De que Rio falo?
Deste que escorre entre
margens, morros e vielas?
Que Rio explode nas ruas
além desta zona?
Rio cuspido, cortado
programado na tela?
Rio oculto, silêncio
nas entrelinhas?
Rio, até quando
casa de branco?



Ida à Padaria  (Eliz. Bishop / trad. de P. Henriques Britto)

Esta noite a lua contempla
a avenida Copacabana
em vez de olhar para o mar,
e as coisas mais cotidianas

são novas pra ela. Debruça-se
sobre os fios frouxos dos bondes.
Lá embaixo, os trilhos se esgueiram
até se fundirem ao longe

(entre carros estacionados
que lembram balões coloridos
já murchos e moribundos);
os fios, pela lua atraídos,

somem numa nebulosa
longínqua. A padaria
está imersa na meia-luz –
estamos racionando energia.

Os bolos, de olhar esgazeado,
parecem que vão desmaiar.
As tortas, gosmentas, vermelhas,
doem. O que devo comprar?

Misturam milho à farinha
e as bisnagas ficam doentias –
pacientes de febre amarela
amontoados na enfermaria.

O padeiro, doente, sugere
"pães de leite" em vez de bolo.
Eu compro, e é como levar
um bebezinho no colo.

Sob a falsa amendoeira
uma puta ainda menina
dança um chá-chá-chá, girando
como um átomo na esquina.

À sombra negra do meu prédio
um negro levanta a camisa
pra mostrar um curativo
cobrindo negra ferida.

Com um bafo de cachaça
potente feito uma bazuca
aponta a bandagem branca
e me diz coisa malucas.

Dou-lhe dinheiro e boa-noite,
por força do hábito. Ah!
Não haveria uma palavra
mais relevante para lhe dar?



Geração Paissandu  (Paulo Henriques Britto)

Vim, como todo mundo,
do quarto escuro da infância,
mundo de coisas e ânsias indecifráveis,
de só desejo e repulsa.
Cresci com a pressa de sempre.

Fui jovem, com a sede de todos,
em tempo de seco fascismo.
Por isso não tive pátria, só discos.
Amei, como todos pensam.
Troquei carícias cegas nos cinemas,
li todos os livros, acreditei
em quase tudo por ao menos um minuto,
provei do que pintou, adolesci.

Vi tudo que vi, entendi como pude.
Depois, como de direito,
endureci. Agora a minha boca
não arde tanto de sede.
As minhas mãos é que coçam –
vontade de destilar
depressa, antes que esfrie,
esse caldo morno da vida.



Manhã em frente à Central  (Darcy Ribeiro da Cruz)

Passei pela central do brasil
e vi homens, mulheres e crianças
rolando em órbitas de mundos opacos.
Hipnotizados, caminhavam em câmera lenta
numa galáxia de entulho e lixo.
Vi as pegadas na lama de camponeses
dizimados por exércitos e pestes.
Vi o granito de castelos vigiarem
com frias seteiras. Pontes levadiças espalmavam:
aqui não. Recuem para bem longe, além do fosso.
Vi os homens e crianças caminharem
de um lado para o outro, então vi formigas
de antigamente batendo cabeças. Elas traziam
folhas, migalhas e pedaços de flores.
Os homens da central do brasil, batiam
as cabeças erradas em seus caminhos
e suas mãos pendiam vazias.

Dois soldados arrastavam uma mulher
de seios bêbados. Os homens e mulheres
e crianças da central do brasil
continuaram em silêncio.


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