domingo, 26 de junho de 2011

Coisas boas demais de se ouvir!

Três maravilhas, bem distintas, para serem escutadas, curtidas, apreciadas, degustadas. Delícias de CDs:

1) Thaís Gulin (ôÔÔôôÔôÔ) – praticamente, só inéditos.
2) Áurea Martins (depontacabeça) – neste disco Áurea canta nosso genial autor Hermínio Bello de Carvalho.
3) Eladio Pérez-González (canciones populares españolas, de Manuel de Falla; Nicolas Pérez-González; H. Villa-Lobos; Joaquin  Rodrigo) – infelizmente, este CD não está sendo comercializado. Com muita sorte e paciência, poderão ouvi-lo através das benesses da internet. Pretendo colocá-lo aqui em breve.



PAREM DE JOGAR CADÁVERES NA MINHA PORTA  (Affonso Romano de Sant'Anna)

Parem de jogar cadáveres na minha porta.
Tenho que sair
– respirar.
Estou seguindo para os jardins de Allambra
a ouvir o que diz a água daquelas fontes
e acompanhar o desenho imperturbável dos zeligs.
Não me venham com jornais sangrentos sob os braços.
Parem de roubar meu gado, de invadir meu teto
e de semear pregos por onde passo.
Estou em Essauíra, na costa do Marrocos
olhando o mar. Ou em Minas
contemplando as montanhas ao redor de Diamantina.
Não me tragam o odorento lixo da estupidez urbana.
Parem de atirar em minha sombra
e abocanhar meu texto.
Estou tornando a Delfos
naquela manhã de neblinas
ouvindo o que me diz o oráculo em surdina.
Ainda agora embarquei para o Palácio Topkapi
frente ao Bósforo,
quando tentaram me esfaquear na esquina.
Jamais permitirei que quebrem as porcelanas
e roubem a gigantesca esmeralda na real vitrina.
Não me chamem para a reunião de condomínio.
Estou nos campos da Toscana
onde a gigante mão de Deus penteia os montes
e minha alma se sente pequenina.
Dei de mão comendas e insígnias
não tenho mais que na praça erguer protestos
e distribuir esmolas não é mais a minha sina.
Acabo de entrar no Pavilhão da Harmonia Preservada
e me liberto
– na Cidade Proibida na China.
Não adianta o clamor de burocráticos compromissos
nem vossa ira. Tenho oito anos
saí para nadar naquele açude atrás dos morros
e vou pescar a minha única e inesquecível traíra.
Parem de jogar cadáveres na minha porta
na minha mesa
na minha cama
dificultando
que alcance o corpo da mulher que amo.
Afastem de mim
o meu
o vosso cálice.
Impossível ficar no tempo que me coube
o tempo todo
preciso repousar num campo de tulipas
reaprendendo a ver o que era o mundo
antes de
como um Sísifo moderno
desesperado
julgar
– que o tinha que carregar.



3 X NIETZSCHE  (Affonso Romano de Sant'Anna)

Deus
não precisa da autorização de Nietzsche
para existir
nem de fanáticos que declaram guerra
aos infiéis.
Deus
– ou que nome se lhe dê –
não necessita de preces, lágrimas, promessas.
Deus sequer lê poemas.
Na melhor das hipóteses
                     – os escreve
mas não assina
nem os divulga.
Na verdade, não necessita sequer
de nossa leitura.
Ele está em todas as partes
e acha vã nossa procura.
E quando lê livros de filosofia, ri,
soberano
         – de nossa loucura.

Quando Deus tomou conhecimento
das teorias de Nietzsche sobre a "morte de Deus"
estava, como sempre, ocupado
em fazer e refazer galáxias
pelo elementar prazer divino
de recriar-se eternamente.
Desconsolado, então,
Nietzsche se matou.
Pesaroso, Deusfoi ao seu enterro
como não podia deixar de ser.

Ele vai ao Grande Mercado Nietzsche
adquirir artefatos para seu discurso.
Há ferramentas para multiuso
abrem e fecham qualquer porta
e conceito.
Na entrada
deve-se pegar um cestinho
para colher o que se pode das prateleiras.
Se não se acha o que se procura
basta ir um quarteirão mais adiante
em duas lojas tudo se encontrará
– uma se chama Foucault
             – a outra Derrida.

2 comentários:

  1. VERA VERSIANI,

    neste domingo de sol aqui na nossa terrinha, você acordou também, com aquecidos raios luminosos de excelentes conteúdos , nas suas postagens.

    Embalou seus seguidores ao som de belíssimos sons sugeridos e mandou muito bem depois, com estes excelentes texto do Affonso Romano de Sant'Anna, o que me leva a ter certeza de que Deus não é socialista.(rs)

    Afinal, como pode ter dotado esse cara de uma inteligência irritante e a mim com uma irritante ignorância.

    Um abração carioca, excelente dia e uma semana repleta de ótimas e boas surpresas!

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  2. Passo aqui, em um outubro distante de junho.E... Me encanto.
    Bj

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