quarta-feira, 25 de julho de 2012

Patativa do Assaré


Recorte de “O Padre Henrique e o Dragão

da Maldade” , de Antônio Gonçalves da Silva, o

Patativa do Assaré:



Sou um poeta do mato
vivo afastado dos meios
minha rude lira canta
casos bonitos e feios
eu canto meus sentimentos
e os sentimentos alheios

Sou caboclo nordestino
tenho mão calosa e grossa,
a minha vida tem sido
da choupana para roça,
sou amigo da família
da mais humilde palhoça
Canto da mata frondosa
a sua imensa beleza,
onde vemos os sinais
do pincel da Natureza,
e quando é preciso eu canto
a mágoa, a dor e a tristeza

Canto a noite de São João
com toda sua alegria,
sua latada de folha
repleta de fantasia
e canto o pobre que chora
pelo pão de cada dia


Canto o crepúsculo da tarde
e o clarão da linda aurora,
canto aquilo que me alegra
e aquilo que me apavora
e canto os injustiçados
que vagam no mundo afora

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E de “O Meu Livro”, do mesmo Patativa:



Meu nome é Chico Braúna
Eu sou pobre de nascença
Deserdado de fortuna
Mas rico de consciença
Nas letras num tive estudo
Sou mafabeto de tudo
De pai, de mãe, de parente
Mas tenho grande prazê
Pruquê aprendi a lê
Duma forma deferente

ABC nem beabá
No meu livro não se encerra
O meu livro é naturá
É o má, o céu e a terra
Com a sua imensidade
Livro cheio de verdade
Da beleza e de primô
Tudo incadernado, iscrito
Pelo pudê infinito
Do nosso Pai Criadô

O meu livro é todo cheio
De muita coisa incelente
Em suas foia é que leio
O pudê do Onipotente
Nesta leitura suave
Eu vejo coisa agradave
Que muita gente não vê
Por isso sou conformado
Sem eu nunca tê pegado
Numa carta de ABC

Num é preciso a pessoa
Cunhecê o beabá
Pra sê honesta e sê boa
E em Jesus acreditá
Deus e seu milagre exato
Eu vejo mesmo nos mato
Justiça, verdade e amô
De minha mente não sai
Deste jeito era meu pai
E o finado meu avô

De que adianta a ciença
Do professô estudioso
Se ele não crê na existença
De um grande Deus Poderoso?
Eu sem tê letra nem arte
Vejo deus em toda parte
O seu pudê radiante
Tá bem visive e presente
Na mais pequena semente
E no maió elefante

Deus é força infinita
É o esprito sagrado
Que tá vivendo e parpita
Em tudo que foi criado
Não há quem possa contá
É assunto que não dá
Pra se dizê no papé
Não inziste professô
Nem sábio, nem iscritô
Pra sabê Deus cuma é

Apenas se tem certeza
Que ele é a santa verdade
E é a subrime grandeza
Em bondade e divindade
Porém se ele é infinito
E soberano e bendito
De tudo superiô
Que até os bicho lhe adora
Proquê muitos tão pro fora
Das orde do Criadô?

Deus quando o mundo criou
Ordenou a paz comum
E com amô insinou
O devê de cada um
Os home pra trabaiá
Um ao outro respeitá
E a boa istrada segui
E os bicho irracioná
Promode se alimentá
Produzi e reproduzi

Ainda hoje os animá
As orde santa obedece
Sem uma virga faltá
Se alimenta, omenta e cresce
Eles que nada magina
Que nada raciocina
Não pensa nem tem razão
Continua sem disorde
Sempre obedecendo as orde
Do Sinhô da criação

Segue o seu caminho exato
Até a própria formiga
Trazendo foia dos mato
Dentro da terra se abriga
Sem nada contrariá
Cumprindo as lei naturá
Ao divino mestre atende
Sabe até fazê iscoia
Pois ela só corta as foia
Das foia que não lhe ofende

Se o João de Barro, o Pedreiro
Sabendo que não se atrasa
Faz de dezembro a janêro
A sua bunita casa
Com as porta pro poente
Pois nunca faz pro nascente
É orde do Sumo bem
Nunca aquele passarinho
Faz a porta do seu ninho
Do lado que a chuva vem

Tudo segue as orde santa
Sem havê ninhuma fáia
Enquanto a cigarra canta
A furmiguinha trabáia
Bria o lindo vaga-lume
Faz a aranha o seu tissume
E o passo beija-fulô
Voa pra frente e pra trás
E o certo é que todos faz
Aquilo que Deus mandô

Será que o home, esse ingrato
Dotado de intiligença
Vendo os bichinho do mato
Com tamanha obediença
Não se sente incabulado
Acanhado, invergonhado
Por não sigui as lição
Da istrada da sua vida
Esta graça concedida
Pelo autô da criação?

A Divina Providença
Com o seu imenso pudê
Deu ao home intiligença
Foi pra ele se regê
Não precisa o Soberano
Chegá a dizê: Fulano
Seu caminho é por ali
Deus lhe deu o dom divino
O dom do raciocínio
Pra ele se conduzi

Ninguém vem contrariá
A mim, o Chico Braúna
Não precisa Deus mandá
Que a humanidade se una
Pois todos tem cunciença
Tem o dom da intiligença
Por defeito e gratidão
Todos tem de obedecê
Cada um tem o devê
De defendê seu irmão

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