terça-feira, 1 de novembro de 2011

Há muito que percebo à minha volta certo cultivar de crença ou entendimento que associa nitidamente a rapidez de gestos, raciocínios e respostas a inteligências privilegiadas.

Sem querer fazer disso uma tese, nem tampouco defender minha lerdeza ou justificar minha não-inserção nas top lists cerebrais da humanidade, ouso argumentar contra tal paradigma que faz de pessoas como eu, teimosas tartarugas sobreviventes por razões que nem Darwin teve tempo de conceber, seres sem direito aos holofotes e aplausos consagradores dos ditos bem dotados.

Rapidez pode ser recomendável e eficiente em inúmeras situações, que vão desde o concluir de testes e provinhas em escolas e cursos de nosso desnorteado ensino até o twittar e digitar como se galopando desembestadamente pela vida afora; desde o apressar de passo nas ruas e praças ameaçadoras de nossas cidades até o engolir indistinto das frequentes refeições de horas estranguladas;

mas não para perceber timbres, cores e silêncios no descontínuo regular de uma canção;

não para ler ou dizer um poema que nos toca;

não para retribuir um sorriso;

não para ver um filme de Kurosawa, Zhang Yimou ou Resnais;

não para apreender um Guimarães Rosa em sua grandeza;

não para abrir os olhos e frequências para novos tempos e boas gentes;

não para calcular o pulso certo e, como se ofertando flores, oferecer auxílios;

não para dar bom dia ao sol ou para dizer eu te amo ou ainda Obrigada, Vida!




Amar  (Carlos Drummond de Andrade)

Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto,
O que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão vazio,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
Amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.











2 comentários:

  1. Querida, só hoje abri seu blog. Você nasceu de mãoszinhas dadas com as palavras. Elas seguraram tão firmes as suas mãos, que não largaram mais.
    Um beijo grande e até mais tarde. Irei ao Estação.
    Yolanda

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  2. Que emocionante. Esse texto deveria ser lido por todo o mundo-não-tartarugas, o mundo Darwin de ser.

    Tem um poema de um francês Boris Vian, em que ele diz - "Eles quebram o mundo/ em pedacinhos/ Eles quebram o mundo/ à marteladas/ mas ainda sobra muito/ sobra muito para mim" O poema é grande o título é "Ills cassent le monde" (eles quebram o mundo) mas é bem bonito, e é meio sobre isso.
    Mas o poema do Drummond é muito melhor rs.

    Beijos,
    Raul

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