sexta-feira, 15 de julho de 2011

Tempos de Paz

Gente, acabo de ver um filme que é uma obra-prima! (embora os cri-críticos possam insistir na falta de tecnoesfuziantes efeitos especiais, planos ou tomadas de cena que façam ressuscitar Cidadão Kane).   
Tempos de Paz (2009), de Daniel Filho, é indescritível em sua delicadeza no trato de questões humanas, das mais incontroversamente violentas às mais metafísicas.
Uma homenagem ao teatro, com grande reverência e respeito ao ser artista!
Um convite à reflexão profunda sobre a linguagem e suas variantes de sutilezas múltiplas.
Um belo tratado filosófico, dentro de um contexto histórico traumático, sobre a violência, a culpa, a submissão, o medo, a verdade...
Tony Ramos e Dan Stulbach dão um banho de atuação.
São impressionantes o alto nível, o domínio técnico e a sensibilidade desses atores!


A maravilhosa trilha sonora é de Egberto Gismonti.




José Eduardo Agualusa, em Estação das Chuvas, ed. Língua Geral, 2010:

... encontraram um bosque feito inteiramente de uma mesma cinza e dentro dele algumas cubatas também de cinza, e dentro das cubatas, esteiras e moringues e utensílios diversos, tudo de cinza. Presos aos raminhos das árvores havia centena de pequenos pássaros, igualmente de cinza morta, com as suas alegres canções de chuva cristalizadas na ponta dos bicos. As bombas dos portugueses tinham travado o curso do tempo sobre o bosque, fechando aquele instante aflito numa redoma de cinzas. Passado um instante que a todos pareceu interminável, alguém levantou o braço e tocou com a ponta dos dedos a frágil estrutura de cinzas. Então todo o bosque se começou a desmoronar, com um demorado rumor de chuva mansa, e, com ele, os pássaros e as cubatas e a utensilagem doméstica, e em breve nada havia em redor a não ser uma larga planície de cinza idêntica.

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