Precisão ( de Francisco Pippio, escritor e sociólogo sergipano)
Tardezinha. O sol alaranjado, estacado no caixilho oco do quadrado da janela, tocaiava dona Laura, que se tangia desacorçoada, de um lado pro outro do único vão do barraco.
Queixava-se da demora do filho menor, vista espichada no prumo da lixeira. Receava que só chegasse junto com o breu da noite.
Para bem dizer, ela nunca aprovou a lida do rebento, catando de-comer pra ela e os irmãos no lixo, apesar da precisão.
Quando, enfim, ele riscou na moldura da porta do barraco, Laura escancarou a boca num sorriso solto, sem nem se importar com a desculpa que já vinha escapulindo das mãos abanando do menino:
– Não deu pra trazer nada hoje. Um urubu chegou primeiro!
de Manoel de Barros:
O menino de ontem me plange.
Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Sou muito preparado de conflitos.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.
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