domingo, 27 de fevereiro de 2011

Diablog nº8

Moacyr Scliar faleceu hoje.

É uma perda enorme para nossa intelligentzia.

Ofereço o que de belo exalar ou sugerir o Diablog nº8 à lembrança desse médico e escritor, autor de mais de setenta livros, trabalhador incansável na arte de produzir idéias de qualidade, com a delicadeza das figuras geniais.




Para mim, Elizabeth Veiga é uma de nossas grandes poetas.
Transcrevo aqui alguns poemas de seu belo livro Sonata Para Pandemônio, numa construção original, sensível e altamente poética de seis momentos de um discurso, digamos, amoroso:


AO AMOR BÚFALO

Que heras venenosas te recubram
o avesso dos cabelos onde a ideia
de amor brotou torta
da cratera
desde o início.
E o tempo em temporais de areia
seja-te leve
ó meu suplício.
Nada foi verdadeiro na vereda
de finos artifícios
que teceram
com palha a fogueira das malícias,
benesses pesadelos:
teu passo elefantino e orgulhoso
com seus troféus de espanto e garrotes
novos à garota agradecida.
Seja-te leve esse esconjuro
de sal e ardósia,
esta laje com
faina de esfiapar-te
da lembrança,
catavento
de cartas de amor despedaçadas.



O POEMA FORA DO POEMA

Bateu uma depressão
feroz, um crivo de abelhas africanas,
e esganicei o poema para trás.

Era eu abatida, aquela rês,
meio costela expressionista
(o capinzal, um azul fugindo
anis
com que se perfumam esperanças).

Então, respirei fora do poema
para sentir em todos os brilhos abertos
o real com que surgem as estrelas.



DEPOIS DA CHUVA

Olhei o mundo falido:
poça,
uma praça alagada.
O meu corpo chorava
todo.
Um salgueiro tremia.
O 38 rotações
encalhou ferro velho.

Era a solidão mais nova do outono,
era idiota como uma queixa:
completamente idiota:
uma parede,
quadradamente idiota:
uma panela
pingando água.

A palavra solidão tremeu feito um animal
e derrubou
o meu realejo de sombras.



O ENCONTRO

O amor me ilumina  um palácio
dentro do peito.
O amor me abre em estado de praça
o oceano.

Floresço, amor, a cor vermelha
pluma de fruta por dentro,
mordida de açúcar,
viva.

Diamante
fixo no horizonte:
um relógio de pulso,
um nome –
cartografia de estrela
no bolso esquerdo.

O ar me respira, chama
tão completamente
teus braços
que sou somente a hora
porque infinitamente,
e a terra, um canteiro
de roda, um girassol,
o abraço
e essa sensação de redondez do mundo
dentro do peito.

A hora brilha toda sensações.

É amor em ponto.



A MÚSICA

Entre as tuas mãos
uma lã se derrete
lavanda de beijos.

Acicatar ácido e doce
que me arrepia
e arruiva
a textura da sede
comovida do musgo.

Meu corpo
treme em relâmpago
tua música.



O VISITANTE

Quando a sua silhueta
pisa devagar o tapete
o meu coração é o salto
de um girassol na cor alta,
acorda
e rosmaninho os sons,
sussurro com o pescoço curvo
à maneira dos gatos:
roldão veludo
até aconchegar.

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