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Rio de Janeiro II mereceu um agrupamento à parte: belos e viscerais como nunca, os versos de Raul Macedo. Obrigada, Raul!
Rios de Hoje
Cidade, símbolo esvaindo
em algum morto na guerra do Iraque.
em algum morto na guerra do Iraque.
Sua beleza é artifício, e os corpos
estão distantes, espumados nas baías.
Os satélites apontam seus trajetos,
e os poetas, na orla, estatuados.
Cravo em suas pedras de signos,
este poema a nenhum fone de ouvido.
Noturno da Lapa
a Sifredo Macedo
Deixem-me só pelos Arcos
da Lapa, onde bonde não passa
pelos seus ombros, pelo silêncio
erguido ao som passageiro,
de um samba ardendo na Lapa,
na noite ambulante, na sede
vendida à boca rasteira,
de um gole que assalta a cidade.
E se vozes começam a sair
dos casarões, botecos, bordéis,
bêbados, sóbrios, perduram
na sombra dessa outra cidade,
em que o bonde atravessa os escombros
da Lapa, onde o tempo não passa.
Avenida Orfeu
Era uma boca impossível;
uma boca desdentada,
boca suja escancarada
para os dentes da cidade.
Ela cantava aos autos,
às vitrines consumadas,
aos letreiros escarrando
aos letreiros escarrando
seus gorjeios de néon.
E os prédios, furibundos,
cerravam suas janelas,
como um acorde, à espera
do silêncio, como um tiro.
Era uma boca impossível,
E os prédios, furibundos,
cerravam suas janelas,
como um acorde, à espera
do silêncio, como um tiro.
Era uma boca impossível,
cantando na madrugada.
Favelas
Pipa vento laje
Favelas
Pipa vento laje
na terra vermelha,
risca paralela
pingando no mar.
Formas de poeira,
sagração do morro,
arsenal de zinco
na terra arrastada.
Paira uma aura
de rastos matizados,
na terra recende,
entoando rios
- riscos risos ritos -
ribeira que avança.
risca paralela
pingando no mar.
Formas de poeira,
sagração do morro,
arsenal de zinco
na terra arrastada.
Paira uma aura
de rastos matizados,
na terra recende,
entoando rios
- riscos risos ritos -
ribeira que avança.
Subúrbios
Labirintos forjados na cinza,
no suor das casas, nas vendas,
nos terrenos baldios, botecos,
nas igrejas, becos, ruelas.
no suor das casas, nas vendas,
nos terrenos baldios, botecos,
nas igrejas, becos, ruelas.
Há uma confluência de aço
nestes corpos seminus
leves leves leves
nas pedras, torneando os muros.
A Kombi, em velocidade,
contorna uma linha de trem,
e o motorista rasga
a calçada, ribombando
o silêncio... e o calor
nestes corpos seminus
leves leves leves
nas pedras, torneando os muros.
A Kombi, em velocidade,
contorna uma linha de trem,
e o motorista rasga
a calçada, ribombando
o silêncio... e o calor
ferve ferve ferve
Praia
"La chair est triste, hélas! et j ' ai lu tous le livres"
Na praia
eu vejo corpos
Na praia
eu vejo corpos
flancos gritos
cachorros
vejo o mar também em surdina
- contraponto dos afogados -
e bundas passando melódicas
as aves episódicas
e aviões também cortam nuvens
as nuvens... e as bundas
(este poema é de 2009
levava ainda cadernos à praia
hoje só levo minha carne
quando levo alguma coisa)
e o vento...
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Belos poemas do Raul. Acompanho o blog dele com prazer. Bom reler todos que compõem esta série. Funcionam muito bem; realização de paisagens multifacetadas, como rios realmente, a cumprir trajetos, para além de um nome, correndo por tantas margens. Um grande desenho, painel que se impõe pela delicadeza, no diálogo com o tempo, e suas (im)possibilidades, algo que avança, ribeira, vindo com o vento, na Kombi em velocidade, baías e subúrbios.
ResponderExcluirPrazer também conhecer um pouco o blog. Li há algum tempo os Ciorânicos e me encantei. Depois passo com mais calma.