Quatro poemas de "A Chuva nos Ruídos", antologia poética de Vera Lúcia de Oliveira:
O VENTO NÃO CONHECE
o vento não conhece o bojo
dos frutos úberes
que estrala contra o muro
o vento não conhece o coração
dos tijolos que escorraça
o vento não conhece
a sede do grão
que trabalha
sua subversão
no osso
OS RETRATOS
os retratos na parede pingam
gestos rugosos
terrores
surdos
e ressequidos
pingam uma dor
que não se decifra
pingam suas sílabas lesas
seus verbos descarnados
suas veias sutilmente
maciças
PALAFITAS
palafitas
para fixar a dor no charco
molhar a miséria
roer a guerra roendo
a luta
ver se os vermes em conclave
abrem duma vez
do fio da vida as mãos equilibristas
ver se eles roem até os buracos
até os cacos de vidro do que
alimenta a fome
COISAS
não as coisas sobre a mesa
depois do jantar
depois da festa
o canto empastado de vozes no escuro
não as coisas crespas
desventradas
sem a forma redonda das mãos
que afugentam ângulos
agudos
não as coisas como pedaços de prego
estiletes
habitações vazias de abstrato
agressivas ao tato
que sangram
na manhã que a luz
aos poucos
desvenda
entre restos de arroz
carne
em guardanapos
paredes
não as coisas dolorosas
em farelos
varadas como bichos
olhos e boca ao entardecer
ceifados para a festa
antes da festa
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