terça-feira, 27 de setembro de 2011

Poeminhas do Millôr

Eu sou da geração
Que mais se boquiabriu
E esbugalhou os olhos,
Imbecil,
À florescência
Da ciência.
Me maravilhei com a sulfa,
A vitamina,
O transistor, o laser
E a penicilina.
Antetelevisão
Bestei com a teleobjetiva
A quarta dimensão
O quilouóti posto na locomotiva
O relógio digital
O computador e a computação
A lente helicoidal
E a radiografia.
Babei com a halografia!
Embora pró
Sou também pré-jatopropulsão
O que me torna preprojatopró,
Termo que não ocorreria
À minha vó.
Tenho a vaga impressão
De que a ciência
Brochará sua invenção
Quando morrer o espanto
Da minha geração.



Cavalos, burros, asnos,
zebras, muares, potros;
Amai-vos uns aos outros.



Sócrates, Horácio, Prometeu,
Platão, Newton, Galileu
Fofocavam também
Feito você e eu?



A absoluta verdade
Só em caso
De última necessidade



Quando eu morrer
Vão lamentar minha ausência
Bagatela
Pra compensar o presente
Em que ninguém dá por ela.



Não, eu não tenho medo do fim,
                    Mas,
E se o mundo terminar antes de mim?



Vocês não sabem, eu sei
Como é duro ser
Mais realista do que o rei.



A coisa vem de longe
Do passado;
Caim nunca foi
Pronunciado.



Liderar não é nada duro;
As perguntas são todas no presente,
As respostas são todas no futuro.



Líderes, santos,
cientistas,
Está tudo na TV
Buscando todos,
nervosos,
A glória,
prêt-à-porter.



O verdadeiro chato,
Chato ímpar – sem par –,
É o que vive chateado
Sem ninguém o chatear.



Amar o próximo
É folgado
O difícil é se dar
Com o homem do lado.



Tem quem não saca:
A qualidade do leite
Não depende só da vaca.



Sessenta já, xará?
Vem cá;
Te querem muito aqui
Ou não te querem lá?

                            (Millôr Fernandes)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Lindo poema do meu querido amigo Cacau Leal



Costa do Sol   (Cacau Leal)

a poesia está onde estás agora
nas asas de uma gaivota do mar
a poesia está nos olhos
que arrastam dunas
búzios
moinhos
salinas ao pôr do sol

fonte cristalina lágrimas
água marinha
a poesia entrelaça
espaço e tempo
a poesia não fecha
abre o pensamento

há poesia na pele prateada dos peixes
no canto enfeitiçante das sereias
há poesia no barco pesqueiro
quando parte solitário
e retorna rodeado de aves
envoltas em cores iridescentes
gente
gente
gente
há poesia no abraço
no beijo
no vento que sopra
sonhos segredos
sinas

há poesia
no doce mistério
da vida

domingo, 11 de setembro de 2011

Farofeiros e Farofeiras

A terceira edição do Farofarra, evento de porte criado pela minha família, para reunir amigos de toda época e idade, num concurso original em que procura-se eleger a farofa dos deuses, aquela que deixa marcas, se não iguais, pelo menos semelhantes às das madeleines dos corredores obscuros de nossa memória, tão bem descritas no Em Busca do Tempo Perdido, de Proust, finalmente aconteceu.

Não sei se Proust salivaria ao pousar o olhar sobre uma mistura farinácea, com ovos, gordura trans e glúten, recém-saída da cozinha discutivelmente salutar do restaurante da esquina, mas desconfio que ele não vacilaria em vir a pé de Nova Iguaçu até o Catete, num Sete de Setembro ameno de pré-verão, para degustar os vinte e cinco espécimes inscritos no aloprado e esdrúxulo concurso, mas de indiscutível importância, e votar nas modalidades sabor, título e originalidade a que as farofas concorrentes se submetem.

Não vou discorrer sobre o evento na forma informativa padrão. Aliás, existe o Farofarra Mundi no Facebook para quem quiser se inteirar do assunto e verificar os registros que serão transformados brevemente em livro. Não posso, entretanto, deixar de pontuar um dos toques elegantes, apetitosos e originais da festa recente: a farofa de chocolate enfeitada com Confetes coloridos e pedaços de bombons Sonho de Valsa (Hummmmmm... Demais!), cujo nome era "Só Quero Chocolate". Ganhou em originalidade. Merecia qualquer dos prêmios.

Outro ponto altíssimo foi a "Farofa da Madrasta da Branca de Neve". Imbatível no sabor. Ninguém percebeu, é claro, uma zona. A travessa ainda veio com uma linda e apetitosa maçã, salvadora da pátria para a minha netinha, que a degustou com prazer enquanto desfilava quase anônima no meio da multidão ocupada em compreender, discutir e solucionar a vergonhosa marmelada que impunha historicamente os Versiani nos primeiros lugares da competição.   

O que me cativa nesse encontro anual é o clima anárquico-democrático, bem-humorado, de esculhambação, digamos, refinada, de confraternização, de empenho quase acadêmico numa construção coletiva do que poderíamos chamar de "absurdo essencial", de alegria nem um pouco contida e de exercício do mais benéfico e salutar convívio das gentes de histórias e afinidades que se cruzam nesse tropeção que é a vida forrada com um amparo de cultura, arte e amor que nunca deixa que nos estabaquemos de mau jeito.

Já tenho até um título para meu prato numa próxima edição do Farofarra: "Que Merda é Essa?!", com o sub-título: "Uma reflexão sobre o afeto."

Parabéns, farofeiros e farofeiras!!